segunda-feira, 30 de março de 2009

Sindrome Marginal Sócio-religiosa no Pentecostalismo Brasileiro

Sindrome Marginal Sócio-religiosa no Pentecostalismo

O Pentecostalismo surgiu à margem das igrejas denominacionais nos Estados Unidos e na América Latina – inclusive no Brasil[1] – como progrediu à margem das igrejas estatais, históricas e elitizadas na Europa (Escandinávia, Noruega e Suécia). Por isso surgem outras perguntas: Será o Pentecostalismo “um grito” somente religioso ou uma válvula de escape para uma religiosidade marginal? Ou será uma religiosidade que dá vazão a um grito maior, o grito dos excluídos do sistema cúltico – religioso (elitizado, denominacional e estatal) e social de uma época de transição, segregação e exclusão?
Assim, como no Pentecostes em Atos dos Apóstolos, o Pentecostalismo Moderno, numa leitura hermenêutica dos pioneiros[2], surge e se legitima na marginalidade (síndrome marginal), entre os pequenos e os que não são, para que, segundo os pioneiros, confunda os grandes e os que são. Isso se torna coerente com a leitura hermenêutica feita pelo próprio Pentecostalismo, pois suas raízes sociológicas são originárias em grupos de brancos pobres, de afrodescendentes e minorias étnicas imigrantes nos Estados Unidos. Constata-se assim que o Movimento Pentecostal que iniciou a partir do âmbito religioso, torna-se também um fenômeno sociológico[3]. Muitos sociólogos, historiadores, religiosos e teólogos têm elaborado pesquisas acerca desta dimensão sócio-religiosa do Pentecostalismo[4].
O Pentecostalismo Moderno ou Movimento de Fé Apostólica, oriundo da ruptura com os Movimentos de Santidade/ Holiness (meados do Séc. XIX), se projeta definitivamente[5] nas doutrinas difundidas por Charles F. Parham.
Parham foi diretor da Escola Bíblica Betel em Topeka, Kansas. Nesta Escola ele estimulou os/as seus/suas alunos/as a estudarem a Bíblia e encontrarem nela base para o seu ensinamento acerca da evidência inicial visível e/ ou externa do batismo com o Espírito Santo. Alguns de seus alunos alcançam a experiência pentecostal de “falar em outras línguas”[6] e rapidamente esta “novidade” se espalhou[7].
Existem muitas ocorrências anteriores ao movimento promovido por Parham, mas a difusão em escala global, ou internacional do Pentecostalismo, como salienta Paul Freston[8], se dá “definitivamente” a partir das doutrinas de Parham (no Kansas, 1900 e Houston,1905) e outros seguidores doutrinários como, por exemplo, William Seymour (em Los Angeles, 1906) e William Durham (em Chicago, 1907). Willian Seymour, que no ano de 1905 estava em Houston (Texas), ouviu a mensagem pentecostal pela primeira vez e, interessado por esse acontecimento, se matriculou na Escola Bíblica dirigida por Parham, recentemente instalada em Houston. Seymour, pregador holiness, mesmo sofrendo a segregação racial (filho de ex-escravo, cego de um olho e pobre estudava no lado de fora da sala de aulas – no corredor), estudou e aprendeu as doutrinas difundidas por Parham. A princípio, o pentecostalismo nos cultos promovidos em Houston, Texas, não conseguiu romper a questão da segregação racial. Paulo Barrera descreve Parham como “... um branco, racista e admirador da tenebrosa Ku-Klux-Klan” e Freston também descreve Parham sendo “... branco e racista, ligado à Ku-Klux-Klan”[9]. Galindo também menciona o menosprezo de Parham pelo negro Seymour[10].
Parham, em 1905, pregava a doutrina acerca do batismo com/ no Espírito Santo para auditórios de pessoas brancas enquanto que ele colocava Seymour para pregar para auditórios de pessoas negras. Contudo, a relação entre Parham e Seymour não durou um ano, pelo fato de Seymour iniciar a Missão de Fé Apostólica ao se mudar para Los Angeles em 1906. Após abril de 1906 Parham não teve um papel de realce no Movimento Pentecostal. Los Angeles é o novo e histórico espaço onde o Pentecostalismo repercute. Por um espaço de tempo a segregação racial, étnica e de gênero foi “abolida”. Apesar de perseguido e caluniado, Seymour consegue proclamar a mensagem pentecostal, expandindo e criando raízes dentro de grupos afrodescendentes e brancos pobres e minorias étnicas emigrantes-imigrantes. O próximo passo de Seymour após conseguir temporariamente (1906-1909) quebrar tabus (fenômeno inter-racial, miscigenação étnica e questão de gênero), é estabelecer uma liderança (masculina e feminina) que – como arautos e porta-vozes dessa nova expressão da fé cristã – espalhe a mensagem do Movimento por todo o mundo.
Os ciclos de emigrações/imigrações nacionais/estrangeiras certamente ajudaram na divulgação da mensagem pentecostal. Esta dinâmica sociológica proporcionou a expansão do Pentecostalismo Moderno.
William Joseph Seymour se tornou desde então o principal líder e ícone desse movimento, apesar da segregação racial. Considerando o período, ser um líder negro, cego, pobre e segregado, já nos traz um vestígio em qual ambiente nasce este movimento, ainda mais apoiado por lideranças femininas e marginalizadas. Mas a harmonia entre brancos e negros no Pentecostalismo não durou muito tempo. Já em 1914 houve novamente a cisão entre Igrejas Brancas e Igrejas Negras. Nem a “virtude do Espírito Santo”[11] conseguiu quebrar a ideologia de segregação racial sulista nos EUA no pós-guerra de Secessão. Por um momento – e nada além de um momento/ experiência – a segregação é esquecida e “superada” no culto pentecostal em Azuza Street, mas a liderança pentecostal até os dias atuais se omite e evita entrar nesta discussão étnico-social.
Para entendermos o que ocasionou a ruptura entre negros e brancos, precisamos analisar dois grupos que tiveram destaque dentro deste movimento incipiente. O primeiro grupos de destaque são as igrejas pentecostais que surgiram no meio afrodescendente[12] (As Igrejas da Confissão de Fé Apostólica e as Igrejas de Deus em Cristo) e as igrejas pentecostais independentes entre os brancos pobres e imigrantes (As Assembléias de Deus dos EUA) formam o segundo grupo. O pentecostalismo implantado no Brasil por Berg, Vingren (fundadores da Assembléia de Deus no Brasil) e Francescon (fundador da Congregação Cristã do Brasil) vem da ala branca do pentecostalismo norte-americano de viés reformado, contudo ainda não havia ocorrido a ruptura definitiva entre brancos e negros pentecostais norte-americanos. Essa ruptura só ocorreria definitivamente com a fundação das AD em 1914.
A Church of God in Christ (Igreja de Deus em Cristo) – fundada por Charles Mason – é a maior igreja pentecostal negra norte-americana de origem wesleyana e tem o dobro de membros das AD dos EUA de origem reformada. As AD dos EUA (coligação das igrejas pentecostais autônomas brancas dissidentes da Church of God in Christ fundada em 1914) assumiram a teologia da “Dupla Bênção” enquanto que as igrejas pentecostais de tradição wesleyana assumiram a teologia da “Tripa Bênção”.
Outras ramificações do Movimento Pentecostal surgiram dentro de muitas igrejas norte-americanas de confissão batistas, episcopais, luteranas, reformadas, congregacionalistas, metodistas[13] etc.
William Durham (morto em 1912), mentor do conceito da “Benção Dupla”, pastoreava a North Avenue Church (Igreja Batista da Avenida Norte), onde Gunnar Vingren “experimentou o seu pentecoste” em 1909. Neste mesmo lugar Luigi Francescon foi batizado com o Espírito Santo e na mesma cidade, Chicago, Vingren e Daniel Berg se conheceram[14].
Evidentemente que Durham não sabia quem eram estas três personagens tão importantes na construção da fé pentecostal no solo brasileiro. Vingren, Berg e Francescon certamente só participaram de uma ou outra reunião na Igreja da Avenida Norte, pastoreada por Durham.
O movimento da Rua Azuza conseguiu se apropriar de um ethos social fundante. Brancos pobres (geralmente brancos nativos, imigrantes europeus e hispânicos atrás do Sonho Americano) e negros (ex-escravos ou filhos de ex-escravos) são as bases do Movimento. É nitidamente uma religiosidade dos excluídos do sistema cúltico, social, econômico e político, numa época conturbada (transição, segregação, exclusão racial e étnica).
Apesar de compartilhar de matizes teológicas herdadas das Igrejas e movimentos pós-reforma e do protestantismo de missão, o Pentecostalismo, além de ter características peculiares, surge também numa época particular da história do mundo e do próprio cristianismo. As primeiras manifestações significativas do “Pentecostalismo Moderno” coincidem com:
(a) o período de imigração de estrangeiros para a Nova Terra, as Américas (meados do Século XIX início do Século XX);
(b) o período do Neo-Colonialismo Imperialista Europeu[15] que expandiram os reinos europeus sobre a Africa, a Ásia e América Latina[16];
(c) o período de efervescência teológica (liberais versus fundamentalistas etc)[17];
(d) o ciclo mundial de missões protestantes[18] e;
(e) Conferência Mundial de Missão de Edimburgo[19] (1910) em meados da primeira década do Séc. XX.
Então, podemos definir que o quadro histórico, em que está inserido a semente que será germinada a mensagem pentecostal moderna na periferia dos grupos étnico – religiosos, compreende desde o fim do “Segundo Grande Despertamento” (1790 – 1830)[20] até a Conferência de Edimburgo (1910)।
___________________________________BIBLIOGRAFIA
A fonte deste artigo esta na obra: MARTINS, Marcos José. A dimensão escatológica da hinologia clássica pentecostal. São Bernardo do Campo: [s.n.], 2008. 110 p. Bibliografia — Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2008. pp. 18-23

[1] ROLIM, Francisco Cartaxo. Pentecostalismo: Brasil e América Latina. Petrópolis, RJ. Vozes, 1995. p. 17-21.
[2] VINGREN, Ivar. Gunnar Vingren, o diário do pioneiro. Rio de Janeiro: CPAD, 1973. 222 p. (p. 7, 63 e 92) & BERG, Daniel. Enviado por Deus: memórias de Daniel Berg. Rio de Janeiro: CPAD, 2000. 8ª. ed. 208 p. (p. 48, “as experiências da era apostólica são também para nossos dias”). Cf. tb. GALINDO, Florêncio. O fenômeno das seitas fundamentalistas. Tradução de José Maria de Almeida. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. p. 201.
[3] Existem vários estudos que procuram enfatizar os aspectos sociais e formação de identidade religiosa pentecostal por isso indicamos as seguintes fontes bibliográficas essenciais (SOUZA, Beatriz Muniz de. A experiência da salvação: pentecostais em São Paulo. São Paulo. Editora Duas Cidades, 1969; D’ÉPINAY, Christian. Religião e espiritualidade e sociedade. Estudo sociológico do pentecostalismo latino-americano. In Cadernos do ISER 6, 1977; NOVAES, Regina Reyes. Os escolhidos de Deus: pentecostais, trabalhadores & cidadania. Rio de Janeiro, ISER – Marco Zero, 1985).
[4] Contudo, este trabalho não terá como tema central a questão sociológica, apesar de que dela se beba para direcioná-lo. Basearemos nossa pesquisa na área teológica a partir da perspectiva escatológica. Conferir esta dimensão sociológica em: CAMPOS, Leonildo Silveira. Teatro, templo e mercado: Organização e marketing de um empreendimento. Petrópolis, RJ: Vozes/Simpósio/UMESP, 1997. p.49 & ROLIM, Francisco Cartaxo. Pentecostalismo: Brasil e América Latina. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. p. 22.
[5] GROMACKI, Robert Glenn. Movimento moderno de línguas. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1972. 166 p. Gromacki trabalha o fenômeno desde 1100 a.E.C. até Azuza Street. Mas a ênfase dada pelo autor é o período pós-reforma da p. 31 - 40.
[6] OLIVEIRA, Marco Davi de. A religião mais negra do Brasil: por que mais de oito milhões de negros são pentecostais. São Paulo: Mundo Cristão, 2004. p. 28.
[7] GROMACKI, 1972. p. 37. Agnes Osman foi a primeira pessoa (mulher!) que buscou incessantemente pela glossolalia.
[8] FRESTON, Paul. Pentecostalismo . Belém, PA: UNIPOP, 1996. p. 3
[9] Id., ibid., p. 4
[10] GALINDO, Florêncio. O fenômeno das seitas fundamentalistas. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. p. 92, 194. Cf. tb. Biografia de William Joseph Seymour. Site: www.yohanan.com.br. Disponível no endereço: www.yohanan.com.br/biografias/bio_willian.htm/biografias/bio_willian.htm. Acesso em 20/02/08.
[11] Atos 2, numa hermenêutica simples do texto bíblico, relata que o fenômeno da glossolalia e da xenolalia (línguas dos povos) conseguiu surpreender os peregrinos porque, de certa forma, unificou todas as línguas conhecidas no mesmo lugar, sem haver uma forma discriminatória ou segregacionalista, aliás ‘nós os podemos ouvir falar na nossa língua’. Ao contrário de Babel, Lucas, em Atos, compreende o fenômeno pentecostal (pós-pascal) como a unidade dos povos e nações do mundo de então pelo fenômeno das “línguas”.
[12] ROLIM, Francisco Cartaxo. Pentecostalismo: Brasil e América Latina. Petrópolis, RJ. Vozes, 1995. p. 23. OLIVEIRA, Marco Davi de. A religião mais negra do Brasil. São Paulo: Mundo Cristão, 2004. p. 29 & ALENCAR, Gedeon Freire de. Todo poder aos pastores, todo trabalho ao povo, e todo louvor a Deus, 2000 – Tese de Mestrado UMESP p. 58 – 62, definem que a Missão de Fé Apostólica é a expressão da fé pentecostal entre os negros e o nome Assembléias de Deus entre os brancos.
[13] GROMACKI, 1972. O autor descreve a interferência (ou inferência?) pentecostal dentro da eclesiologia do protestantismo histórico nos EUA.
[14] Não desejamos fazer aqui um relato sobre o processo de vinda visionária desses dois missionários ao Brasil, visto que muito se tem escrito sobre isso. Acerca da vinda histórica dos pioneiros Gunnar Vingren e Daniel Berg existem muitos marcos teóricos e referências biográficas e bibliográficas. Cito aqui a obra biográfica sobre Vingren em VINGREN, Ivar. Gunnar Vingren, o diário do pioneiro. Rio de Janeiro: CPAD, 1973. p. 22 e a obra autobiográfica de BERG, Daniel. Enviado por Deus: memórias de Daniel Berg. Rio de Janeiro: CPAD, 2000. 8ª. ed. p. 31. Conferir também a obra de CONDE, Emilio. História das Assembléias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro, 1960. 355 p.
[15] MORAES, José Geraldo Vinci de. História Geral e do Brasil: São Paulo, Atual Editora, 2003. 1ª. Edição. 496 p (cf. Neo-imperialismo Europeu p. 273 e imigração de europeus para os EUA p. 252); PEDRO, Antônio. História Geral. São Paulo, FTD, 1997. 392 p. (Cf. Neo-imperialismo Europeu, p. 258 -260);
[16] MOLTMANN, Jürgen. A vinda de Deus: escatologia cristã. Tradução de Nélio Schneider. São Leopoldo: UNISINOS, 2003. p. 19. “As potências européias erigiram os seus reinos mundiais na África, Ásia e América Latina e difundiram a civilização européia com fervor missionário messiânico”.
[17] OLSON, Roger E. História da teologia cristã: 2000 anos de tradição e reformas. Tradução de Gordon Chown. São Paulo: Vida, 2001. 668 p. (Discussão sobre as Teologias Liberal e Fundamentalista, p. 548-605) & HORDERN, William. Teologia contemporânea. Tradução de Roque Monteiro de Andrade. São Paulo: Hagnos, 2003. 319 p. (Desenvolve o contexto dessa tensão teológica nas pp. 74-79).
[18] EKSTROM, Bertil. História da missão: um guia de estudo da história missionária. Londrina, PR: Descoberta, 2001. 136 p. (pp. 68-103).
[19] SABANES PLOU, Dafne. Caminhos de unidade: itinerário do diálogo ecumênico na América Latina (1916-2001). São Leopoldo, RS: Sinodal, 2002. p. 20-22. & PIEDRA, Arturo. Evangelização protestante na América Latina. São Leopoldo: Equador: Sinodal : CLAI, 2006. v. 1. p. 115-152.
[20] HAGGLUND, Bengt. História da teologia. Trad. Mario L. Rehfeldt, Gladis Knak Rehfeldt. 7. ed. Porto Alegre: Concórdia, 2003. p. 332 – 336.