segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Frida Vingren: uma liderança feminina pioneira

Frida Vingren: uma liderança feminina pioneira

Além Gunnar Vingren e de Daniel Berg, muitos outros personagens construíram as bases das Assembléias de Deus no Brasil. Adriano Nobre, José Rodrigues, José Calazans, Nils Nelsons, Nils Kastberg, Samuel Nystrom entre outros foram grandes ícones deste período de implantação das Assembléias de Deus. Mas não podemos nos esquecer de Frida Strandberg[1]. A liderança desta mulher nos chama muita atenção, pois sua atuação foi de suma importância para a consolidação da Assembléia de Deus no Brasil. Frida nasceu em junho de 1891, no norte da Suécia, era de uma família de crentes luteranos (a Igreja Estatal Oficial na Suécia). Formou-se em Enfermagem chegando a ser chefe da enfermaria do hospital onde trabalhava. Tornou-se membro da Igreja Filadélfia de Estocolmo, onde foi batizada nas águas pelo pastor Lewi Pethrus, em 24 de janeiro de 1917.

Neste mesmo ano recebeu o batismo com o Espírito Santo e o dom de profecia e se sentiu vocacionada para a obra missionária sendo enviada pelo pastor Pethrus para o campo missionário brasileiro e, chegando a Belém/ Pará, se casou Gunnar Vingren em 16 de outubro de 1917. Contraiu malária em março de 1920 e quase morreu. Recuperada viu seu marido pegar a mesma enfermidade várias vezes. Depois de muitos anos no Pará, a família Vingren migra para o Rio de Janeiro, seguindo o mesmo processo da migração nordestina.
Frida Vingren (nome de casada) desenvolveu grandes atividades evangelísticas, abriu frentes de trabalho em muitos lugares do Rio de Janeiro. As atividades de assistência social, círculos de oração e grupos de visitas ficaram sob sua responsabilidade. Também exercia a função de docência nas classes de Escola Dominical e ministrava Estudos Bíblicos. Era responsável – no inicio da obra no Rio de Janeiro – pela leitura devocional nas aberturas dos cultos, pela execução musical dos hinos – ela era organista e tocava violão – e, quando Gunnar Vingren se ausentava da Igreja em visita ao campo missionário, Frida substituía-o pregando e dirigindo os cultos e trabalhos oficiais.
Frida exerceu a direção oficial dos cultos realizados aos domingos na Casa de Detenção no Rio de Janeiro e era excelente pregadora, exercendo sob seus ouvintes grande carisma. Pregava e dirigia os cultos nos pontos de pregação da AD no Rio de Janeiro, em praças públicas e áreas abertas. Os cultos ao ar-livre promovidos no Largo da Lapa, na Praça da Bandeira, na Praça Onze e na Estação Central eram dirigidos por Frida, tendo Paulo Leivas Macalão como seu auxiliar direto[2].
Articulou-se como escritora de diversas matérias nos jornais oficiais[3] da AD, como os jornais Boa Semente, O Som Alegre e Mensageiro da Paz (este último agregou os dois primeiros). Ela escrevia mensagens evangelísticas e traduzia vários outros textos e hinos da língua escandinava. Foi também comentarista das Lições Bíblicas de Escola Dominical (hoje revista oficial da CGADB para a Escola Dominical) na década de 1930.

Além de excelente escritora, Frida sempre se dedicou à música. Cantava, tocava órgão, violão e compunha hinos de grande valor espiritual. Vinte e três hinos da Harpa Cristã são de sua autoria e alguns destes têm forte essência escatológica. Frida, ao que parece, não foi simplesmente uma colaboradora no processo de implantação da AD. Ela foi, juntamente com seu marido, a principal líder da Igreja entre 1920 e 1932. Alencar alega que
[Daniel] Berg é nulo [...] Como Berg é inexpressivo na liderança e Vingren, doente, ficou pouco tempo efetivamente na liderança, fica a dúvida sobre quem de fato dirigia e dava “as cartas” nesta igreja em seus primeiros anos: Frida Vingren?[4]
O modelo de liderança de Frida Vingren, segundo relata Alencar, incomodou muito a liderança masculina da AD. Frida é o modelo de uma líder completa, numa época em que
As mulheres ainda não participavam da vida política do país nem mesmo como eleitoras, mas a AD permite que elas, excepcionalmente, sejam pastoras e ensinadoras. [O que incomoda então é a] influência de Frida Vingren? Com certeza. Ela prega, canta, toca, escreve poesia, textos escatológicos, visita hospitais, presídios, realiza cultos e – nada comum - dirige a igreja na ausência do marido (e... na presença também) [...] na foto dos missionários... que participaram da Convenção de Natal [Rio Grande do Norte, 1930] ela é a única mulher que aparece. Onde estão as esposas dos outros [missionários e pastores]?... Frida chega a escrever um texto no Mensageiro da Paz... disciplinando a conduta dos obreiros.[5]
Frida é vista como uma mulher extraordinária. Ivar Vingren argumenta que
a esposa do irmão Vingren, foi também uma missionária fiel, perseverante e zelosa, que além do cuidado pela família, soube participar e ajudar no trabalho do seu esposo. Grande é a multidão de almas que ela ganhou para Jesus durante estes anos de luta junto com o seu esposo.[6]
Frida, numa das cartas selecionadas na obra autobiográfica dos Vingren, expressa o seu esgotamento físico e seus sentimentos acerca de seu trabalho pioneiro no Brasil[7]. Ela enumera as dificuldades na categoria “tribulação”, sofrimento” e “agonia”. Mas tem muita esperança, quando contempla os sinais de Deus operando na Igreja e nas congregações. Ela declara que tem pagado o preço do trabalho, mas sabe que nada é em vão perante o Senhor.
A missionária - dirigente dos trabalhos oficiais na AD do Rio de Janeiro (até então Missão Sueca) nesta mesma carta demonstra um sinal de frustração por ter de entregar a direção do Jornal “Mensageiro da Paz” aos líderes nacionais
O Senhor sabe de tudo, eu não quero defender-me, pois não sou sem falta, mas aquele dia tudo se revelará [...] Agora, depois que entregamos a direção do jornal “Mensageiro da Paz”, eu pensei então que o nosso tempo aqui no Brasil talvez esteja terminado ou o Senhor talvez tenha alguma outra missão para nós cumprirmos [...] Para mim é como arrancar o coração do meu peito, quando penso em deixar o Brasil para talvez nunca mais voltar![8]
É difícil aceitar que Frida seja “sem falta”. Ela faz tudo e assume toda a responsabilidade da Igreja em São Cristóvão/ RJ além de cuidar das congregações ligadas a esta Igreja, dirigir o jornal e articular outros trabalhos acima citados. Ela tem um esgotamento físico que chega a atingir o sistema nervoso e alega sofrer do coração. Sinais claros de cansaço de uma pessoa que se dedica integralmente à obra da Igreja.
É complicado vê-la somente como colaboradora ou à sombra de Vingren. Frida desabafa quando diz que “Gunnar tem estado enfermo a tanto tempo, que faz muito [tempo] que ele nem tem podido participar do trabalho”.[9] Por causa da enfermidade de Gunnar Vingren, este não teve o tempo e a energia suficiente para poder assumir o trabalho. Quem assume o trabalho integralmente é Frida, apesar de Samuel Nystrom – teórica e documentalmente – ser o segundo dirigente da Igreja na ausência de Gunnar Vingren.
É fato que Frida é uma mulher humilde que compreende seu papel de liderança e, sem soberba, relata como Deus, em uma revelação dada a uma irmã, a via quando ela auxiliava seu marido.
Quando nós [Gunnar e Frida] saímos do Pará e viemos ao Rio de Janeiro, uma irmã no Pará teve uma visão. Ela viu como Gunnar estava ajuntando frutas maduras num grande pomar e ela me viu também num canto do pomar, trabalhando com uma bomba de água, que estava regando todas as árvores[10]
Esta visão está muito próxima à lógica do ministério apostólico compreendido por Paulo. “Eu plantei, Apolo regou; mas Deus deu o crescimento” (1 Co. 3.6). Gunnar seria Paulo? Frida, Apolo? A compreensão hermenêutica pentecostal pode nos abrir para essa possibilidade interpretativa. Mas, Frida nunca esteve “num canto do pomar”.
O fato é que Frida Vingren, com o agravamento da enfermidade de seu marido, foi preterida pela liderança nacional. Em 1932, por causa do estado de saúde de Gunnar, toda a família Vingren é obrigada a voltar à Suécia para cuidar da saúde de Gunnar. Neste mesmo ano, antes de viajar para a Suécia, o casal Vingren sofre com a morte de sua filha caçula. Frida perde o que lhe é mais precioso no período de dois anos (1932-1933). Perde sua filhinha, é forçada pelas circunstâncias explícitas (doença do marido) e implícitas (a oposição da liderança nacionalista e masculina) a deixar o trabalho eclesiástico por ela exercido e suportar a perda – por falecimento – de seu marido. Sete anos depois do falecimento de Gunnar, Frida também entra pelas portas das mansões celestiais e as obras de suas mãos a acompanharam e naquele dia tudo se revelará. “Então ouvi uma voz dos céus dizendo escreva: Felizes os mortos que morreram no Senhor... Diz o Espírito: Sim, eles descansarão das suas fadigas, pois as suas obras os seguirão”. (Ap. 14.13).
Frida Vingren é o típico modelo de mulher pentecostal que exerceu o seu ministério pastoral na periferia do poder clerical. Dentro das AD se constituíram as sociedades eclesiais femininas como grupos de visitação, de oração, de louvor, assistência social; Frida é a origem. As mulheres exercem espaço na liturgia, na pregação, no culto, na educação bíblica, na assistência social e no serviço religioso, mas dificilmente o ministério pastoral.
Frida (representando aqui o ministério feminino) é um protótipo de liderança silenciada e, infelizmente, marginalizada nas AD. Rosemary Ruether diz que
O ministério feminino baseado em dons carismáticos renasce continuamente na prática e também é continuamente marginalizado do poder nas instituições históricas das igrejas.[11]
As mulheres pentecostais têm um papel fundamental na organização e manutenção das estruturas laicas das igrejas pentecostais, como podermos ver na biografia de Frida Vingren. Contudo, elas são marginalizadas, inferiorizadas e preteridas dentro das estruturas significantes de poder. Estão à margem e dificilmente, dentro do modelo patriarcalista das igrejas pentecostais clássicas, chegarão ao centro do poder.
A liderança nacional desde a 1ª. Convenção Geral das Assembléias de Deus do Brasil (caso Frida Vingren, por exemplo) tem feito de tudo para tirar de foco a discussão sobre o ministério feminino na Igreja. O Ministério de Madureira tem consagrado mulheres para o exercício do diaconato e para o ministério missionário.
As mulheres dos pastores presidentes – anteriormente consideradas “a esposa do pastor...” – agora têm sido reconhecidas como missionárias. O Ministério do Belém – ligado a CGADB, nem ao diaconato tem consagrado mulheres. As mulheres não são consultadas acerca das grandes decisões e iniciativas institucionais.
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Fonte: MARTINS, Marcos José. A dimensão escatológica da hinologia clássica pentecostal. São Bernardo do Campo: [s.n.], 2008. 110 p. Bibliografia — Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2008. (páginas 30 a 35 – Trabalho de Conclusão de Curso Bacharelado de Teologia)

[1] MELO, Vieira de. Frida Vingren. Site: vieirademelo.googlepages.com. Disponível em: http://vieirademelo.googlepages.com/fridavingren. Acesso em 01/11/2008. Conferir também: Jornal "Mensageiro da Paz", n°1.453, junho 2006, CPAD.

[2] VINGREN, 1973. p. 122 a 124.
[3] ALENCAR, 2000. 161p. Conferir um estudo sobre os temas das matérias escritas por Frida Vingren nas páginas 72, 106 e o espaço concedido a escritos de mulheres na página 108.
[4] Id., ibid., p. 55 e 56. O autor trabalha o estilo de liderança Gunnar Vingren – Frida Vingren.
[5] Id., ibid., p. 56
[6] VINGREN, 1973. p. 198
[7] Id., ibid., p. 198 e 199.
[8] Id., ibid., p. 198 e 199. Este jornal, enquanto não passou para a direção dos líderes nacionais, só trouxe aflição para o casal Vingren. Gunnar e Frida trabalharam incessantemente para que o jornal fosse aceito nacionalmente e, quando conseguiram este feito juntamente com Samuel Nystrom, os líderes nacionais só sossegaram quando assumiram a direção do jornal. Conferir mais informações sobre essas tensões nas páginas 178-179 e 189.
[9] Id., ibid., p. 199.
[10] Id., ibid., p. 198.
[11] RUETHER, Rosemary Radford. Sexismo e religião: rumo a uma teologia feminista. São Leopoldo: Sinodal, 1993. p. 164

BIBLIOGRAFIA

ALENCAR, Gedeon Freire de। Todo poder aos pastores, todo trabalho ao povo, e todo louvor a Deus: Assembléia de Deus: origem, implantação e militância 1911-1946. 2000. 161 p. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) - Curso de Pós-graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo/SP, 2000.


RUETHER, Rosemary Radford। Sexismo e religiao: rumo a uma teologia feminista. São Leopoldo: Sinodal, 1993. 239 p.


VINGREN, Ivar. Gunnar Vingren, o diário do pioneiro. Rio de Janeiro: CPAD, 1973. 222 p.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

A Identidade Pentecostal no Testemunho e na Liturgia

Teologia do Testemunho:
A Construção da Identidade Periférica Pentecostal a partir do Testemunho e do Culto

Não se busca fazer ou construir uma teologia pentecostal somente pela intelectualidade e pela razão – esses dois passos são essenciais, mas não existenciais. A teologia pentecostal brasileira (ou uma tentativa de ter uma teologia pentecostal) é construída e constituída – apesar da matiz fundamentalista norte-americana – a partir do testemunho pessoal. O testemunho é coerente não por sua dialética racional e sistemática (e pasmem – nem fundamentalista bíblica, a priori), mas a partir de outra dimensão da inteligência humana – a inteligência emocional. Alguns poderiam questionar o “emocionalismo” pentecostal, mas a emoção faz parte da construção de uma espiritualidade não-sistematizada teologicamente, mas emocionalmente construída para ser existencial.
O cerne da teologia pentecostal brasileira está nas entrelinhas do testemunho e da palavra pregada, cantada e vivenciada no cotidiano dos fiéis. Nessa busca de estabelecer uma marca existencial – não para quem está fora observado – mas para si mesmo, o fiel constrói a sua identidade religiosa, através de sua experiência com o divino. Apesar das situações conflituosas, o testemunho e o canto estabelecem a relação do fiel com Deus. Sua prática litúrgica não está relacionada com sistemas eclesiásticos pré-estabelecidos, mas com práticas que amenizem seus sofrimentos e, em movimento de expansão, determinam o devocional diário e o culto público do fiel pentecostal.
Claro que esta prática litúrgica não somente forma uma identidade religiosa, mas também fornece – mesmo que temporariamente – uma identidade social. A anomia social (falta de uma identidade social especifica) vivenciada pelo pentecostal no macrocosmo (mundo secular – dizem os pentecostais) é amortizada quando o seu testemunho é ouvido por Deus e por todos no ambiente fraterno do culto (microcosmo). Testemunhar é ter a oportunidade de ser ouvido. A atenção de todos ao testemunho é primordial para legitimar o fiel como pessoa dentro da comunidade. Na sociedade, no trabalho, na família etc muitos o ignora, mas na liturgia espontânea ele é ouvido, compreendido e reconhecido. Sua anomia social desaparece, sua voz é ouvida e sua teologia (forma de compreender Deus) é legitimada (não quero entrar no mérito se a teologia é boa ou ruim).
Testemunhar é essencial para todas as expressões cristãs, mas para o pentecostal, testemunhar é mais que essencial – é existencial! Os sistemas litúrgicos são coerentes para as igrejas históricas, mas o fiel pentecostal não perderá o seu sono se não for liturgicamente correto. O pentecostalismo rompe, a princípio, com as práticas cúlticas de outras denominações protestantes históricas e instituem um novo e inusitado “jeito” e projeto de ser igreja. A liturgia do fiel pentecostal é cercada pelo forte apelo testemunhal e pelos carismas pessoais dos leigos – incluindo o próprio líder eclesiástico.
É fato que essa liberdade litúrgica dos pentecostais sempre será alvo de crítica. Mas, podemos nos colocar nesta discussão de modo panorâmico e questionar: Quem pode ou não estabelecer o padrão do culto cristão? Por que se advoga que o padrão europeu ou norte-americano de liturgia é superior a qualquer outra forma de expressão cúltica? Por que as expressões cúlticas cristãs indígenas, latinas, asiáticas ou africanas só podem ser vista como inferior ao padrão europeu-americano de culto? Por que a forma de orar, cantar, testemunhar e pregar fora do padrão europeu-americano se torna inapropriada para o culto cristão se for feito por pentecostais?
É interessante notar que nem os pentecostais são coerentes com as criticas que fazem acerca da forma européia ou norte-americana das igrejas protestantes históricas realizarem a sua liturgia e nem as igrejas protestantes históricos estão dispostas a compreender o carisma do culto pentecostal baseado no testemunho da fé singela dos/as fiéis. São formas distintas de culto, mas são cultos legitimamente cristãos. A liturgia do fiel pentecostal não é validada pelo que já foi, mas pela possibilidade daquilo que pode vim a ser. E, como toda a eclesiologia tem limites e potenciais, não se pode negar que o culto pentecostal seja uma expressão do culto cristão. Kyrie Eleison! (Senhor, piedade)

Autor: Marcos José Martins – Evangelista da AD Taboão/ SBC, teólogo.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Ser Mulher na Diversidade Étnica

A mulher tem ampliado o ‘seu papel’ fora do ‘lar-doce-lar’ e conquistado o mercado de trabalho. Além de dona de casa, mãe e esposa, a mulher assumiu outras possibilidades profissionais. Professoras, médicas, magistradas etc são especialidades no contexto da mulher. Esses espaços foram conquistados com lutas! Queremos igualdade de direitos! Mas, essa realidade, em quase sua totalidade, não corresponde e não abrange todas as mulheres. As profissões acima citadas fazem parte de um Mercado de trabalho com características distintas. Mas, qual classe de mulheres ocupa tarefas como faxineiras, empregadas domésticas [em turno duplicado], cozinheiras, ajudantes e/ ou auxiliares de produção, catadoras de lixo etc? Qual é a situação econômica desta classe de mulheres? Se o homem branco tem renda, em geral, maior que a mulher branca e esta ganha um pouco mais ou igual ao homem negro, essa vantagem de renda não é aplicada à mulher negra e/ou parda. É sabido que a mulher negra-parda está no fim da escalada social.
Na África, nas Américas e na Europa, as mulheres negras (no Brasil negra-parda) sofrem todo o tipo de abuso (moral, intelectual, sexual, social, no mercado de trabalho etc) e é preterida perante outras matizes formativas do gênero feminino mundial. Não queremos, no entanto, dizer que somente a mulher negra-parda vive essa situação de dupla discriminação, mas quero enfatizar que o turbilhão ocidental, que veio estereotipar, rotulou essa matiz feminina como sendo inferior e não imitável para Ser Mulher. Claro que há focos tímidos de mulheres negras-pardas com um relativo sucesso nos EUA, na Europa e no Brasil, contudo, elas devem se adaptar ao sistema que estereotipa o padrão de comportamento de ser mulher, i.e., mulheres negras devem parecer e agir como mulheres brancas. Devem superar a marca distintiva de sua cor e etnia.
A mídia neste contexto assume o papel de estigmatizar o diferente e o heterogêneo. Nas novelas, comerciais etc dão-se o exemplo de pessoas que devem ser imitadas em detrimento àquelas que não estão em evidência ou são simplesmente ignoradas. Um silêncio sociocultural inquietante e ensurdecedor não? A mídia modela a sociedade e a mulher negra-parda se torna uma caricatura folclórica no papel de empregadas ou passistas do carnaval. Elas [‘as mulheres de cor’] são tidas pela cultura social ligadas ao subemprego, à ignorância e à pobreza econômica e estética... Essa ideologia se expande para outras categorias sociais e a mulher (não só a negra) se encontra numa relação mulher-cônjuge, mulher-empregada, mulher-objeto sexual, como, em geral, a mulher-explorada pelo meio e o fim social.
Quando percebemos esta situação, pela ótica do Reino de Deus, é impossível não termos uma voz profética. A Igreja de Cristo não deve ‘tomar a formar’ (Rm. 12.1 ss) deste padrão social. Os modelos europeu/ norte-americano são também modelo de Ser Mulher, mas não superiores aos outros (Africano, Indígena, Latino ou Asiático). A nossa missão e prática ética não admite sermos coniventes com um sistema que retira a identidade de uma pessoa entre outras. Sua Igualdade em diversidade necessita ser preservada dentro da raça humana. Nossa voz missionária e a nossa voz profética necessitam está em sintonia com a realidade social, não somente da mulher negra-parda, mas com a nossa gente brasileira, multi-étnica e plural. Que Cristo nos faça Um na Diversidade Étnica Humana!

Autor: Marcos José Martins

(Um dos textos ganhador do Concurso Novos Talentos da Revista Voz Missionária)