Teologia do Testemunho:
A Construção da Identidade Periférica Pentecostal a partir do Testemunho e do Culto
A Construção da Identidade Periférica Pentecostal a partir do Testemunho e do Culto
Não se busca fazer ou construir uma teologia pentecostal somente pela intelectualidade e pela razão – esses dois passos são essenciais, mas não existenciais. A teologia pentecostal brasileira (ou uma tentativa de ter uma teologia pentecostal) é construída e constituída – apesar da matiz fundamentalista norte-americana – a partir do testemunho pessoal. O testemunho é coerente não por sua dialética racional e sistemática (e pasmem – nem fundamentalista bíblica, a priori), mas a partir de outra dimensão da inteligência humana – a inteligência emocional. Alguns poderiam questionar o “emocionalismo” pentecostal, mas a emoção faz parte da construção de uma espiritualidade não-sistematizada teologicamente, mas emocionalmente construída para ser existencial.
O cerne da teologia pentecostal brasileira está nas entrelinhas do testemunho e da palavra pregada, cantada e vivenciada no cotidiano dos fiéis. Nessa busca de estabelecer uma marca existencial – não para quem está fora observado – mas para si mesmo, o fiel constrói a sua identidade religiosa, através de sua experiência com o divino. Apesar das situações conflituosas, o testemunho e o canto estabelecem a relação do fiel com Deus. Sua prática litúrgica não está relacionada com sistemas eclesiásticos pré-estabelecidos, mas com práticas que amenizem seus sofrimentos e, em movimento de expansão, determinam o devocional diário e o culto público do fiel pentecostal.
Claro que esta prática litúrgica não somente forma uma identidade religiosa, mas também fornece – mesmo que temporariamente – uma identidade social. A anomia social (falta de uma identidade social especifica) vivenciada pelo pentecostal no macrocosmo (mundo secular – dizem os pentecostais) é amortizada quando o seu testemunho é ouvido por Deus e por todos no ambiente fraterno do culto (microcosmo). Testemunhar é ter a oportunidade de ser ouvido. A atenção de todos ao testemunho é primordial para legitimar o fiel como pessoa dentro da comunidade. Na sociedade, no trabalho, na família etc muitos o ignora, mas na liturgia espontânea ele é ouvido, compreendido e reconhecido. Sua anomia social desaparece, sua voz é ouvida e sua teologia (forma de compreender Deus) é legitimada (não quero entrar no mérito se a teologia é boa ou ruim).
Testemunhar é essencial para todas as expressões cristãs, mas para o pentecostal, testemunhar é mais que essencial – é existencial! Os sistemas litúrgicos são coerentes para as igrejas históricas, mas o fiel pentecostal não perderá o seu sono se não for liturgicamente correto. O pentecostalismo rompe, a princípio, com as práticas cúlticas de outras denominações protestantes históricas e instituem um novo e inusitado “jeito” e projeto de ser igreja. A liturgia do fiel pentecostal é cercada pelo forte apelo testemunhal e pelos carismas pessoais dos leigos – incluindo o próprio líder eclesiástico.
É fato que essa liberdade litúrgica dos pentecostais sempre será alvo de crítica. Mas, podemos nos colocar nesta discussão de modo panorâmico e questionar: Quem pode ou não estabelecer o padrão do culto cristão? Por que se advoga que o padrão europeu ou norte-americano de liturgia é superior a qualquer outra forma de expressão cúltica? Por que as expressões cúlticas cristãs indígenas, latinas, asiáticas ou africanas só podem ser vista como inferior ao padrão europeu-americano de culto? Por que a forma de orar, cantar, testemunhar e pregar fora do padrão europeu-americano se torna inapropriada para o culto cristão se for feito por pentecostais?
É interessante notar que nem os pentecostais são coerentes com as criticas que fazem acerca da forma européia ou norte-americana das igrejas protestantes históricas realizarem a sua liturgia e nem as igrejas protestantes históricos estão dispostas a compreender o carisma do culto pentecostal baseado no testemunho da fé singela dos/as fiéis. São formas distintas de culto, mas são cultos legitimamente cristãos. A liturgia do fiel pentecostal não é validada pelo que já foi, mas pela possibilidade daquilo que pode vim a ser. E, como toda a eclesiologia tem limites e potenciais, não se pode negar que o culto pentecostal seja uma expressão do culto cristão. Kyrie Eleison! (Senhor, piedade)
Autor: Marcos José Martins – Evangelista da AD Taboão/ SBC, teólogo.